terça-feira, 16 de agosto de 2011

O que vivemos e aprendemos



Nasci numa família de tristezas, de amarguras e, porque não dizê-lo, de alguns rancores. Mas, acima de tudo, numa família de silêncios. O diálogo era contido, como se uma nuvem pairasse sobre todos nós. Antigas zangas do passado, nunca resolvidas, viviam connosco, e não permitiam uma união bonita, alegre, saudável - os meus avós tinham-se separado muito cedo, quase no início do casamento dos meus pais. Separação violenta e, há 60 anos mais do que hoje, uma vergonha para a família. Uma nuvem negra que sempre pairou sobre as nossas cabeças.

Lembro-me de desejar muito que todos, principalmente os meus pais, se amassem. Se tocassem. Se desejassem. Na altura não sabia bem o que sentia. Mais tarde, agora, sei que o que eu queria, para mim e para todos nós, era que se gostassem e que o mostrassem.

O sexo era tabu. Era feio. Era mau. Não se dizia, não se falava. Penso que era assim em todos os lares da época, o que muito marcou as relações de gerações e gerações de adultos, no que respeita à manifestação de afectos e desejos. A acrescentar a tudo isto, sou educada principalmente por duas mulheres – mãe e avó – que me protegem em excesso, afastando-me de qualquer possível dor e sofrimento. Fizeram o melhor que puderam e souberam. Deram-me todo o conforto e todo o amor. Mais era impossível. Tenho as melhores lembranças da minha infância. Da adolescência, como também era prática na altura em relação às raparigas, senti muito a revolta por não ter mais liberdade.

E neste cenário quem sou eu?
Primeiro uma criança fechada, medrosa. Depois uma adolescente conflituosa, com pouca capacidade de se relacionar com os outros e com a cabeça cheia de parvas fantasias românticas. Por fim uma mulher com uma profissão estável, socialmente independente e segura, e com um quadro de relações que alternava entre maravilhosas paixões e rupturas desastrosas. Numa palavra, um ser humano a funcionar muito bem intelectualmente mas afectivamente bastante imaturo. Sempre extraordinariamente bem sucedida, primeiro no percurso académico, depois no profissional, mas com um quadro de relações instável e deixando memórias cada vez mais desagradáveis.

Neste enquadramento aconteceu o pior (Ou terá sido o melhor?!). Envolvo-me com uma mulher e tento construir uma vida em comum. Porque era uma relação diferente, nada ortodoxa e desafiadora do status quo, ia certamente dar certo. Pensava eu, em mais um delírio romântico! Na realidade, o resultado foi desastroso e materializou-se numa relação doentia, obsessiva e pior que todas as anteriores. Onde se prova que o diferente não é, necessariamente, melhor do que o igual. O que importa são as pessoas e não o cenário. Eu procurava companhia, apoio, carinho, uma presença que preenchesse um vazio. Ela era uma pessoa fechada, com um enorme bloqueio emocional, incapaz de gestos de carinho sentidos, apenas com perfeitas técnicas de sedução que usava com mestria, mas sem emoção. Ambas estávamos erradas.

Quando tudo chegou ao fim, de forma muito desastrosa para mim, percebi que tinha que parar, que tinha que olhar para mim, que tinha que alterar algo no meu percurso. Mas o quê, perguntava-me?

Nada disto é novo. Muitos viveram este sentir antes de mim. Muitos o vivem neste momento. E muitos outros o viverão em futuros a construir. Em todo o tipo de situações e de relações. A diferença, a grande diferença, é que esta realidade era agora a minha. Era a minha vida. Ou melhor, a vida que eu não tinha pedido, com que eu não tinha sonhado, mas que estava a viver. Em meia dúzia de semanas, tudo era diferente – uma nova casa, um novo quotidiano, novos aromas, novos sons. E a memória de ter sido tratada de uma forma nada honesta. Pior que tudo, perceber que se fui assim tratada, foi porque permiti que tal acontecesse, pois somos nós os únicos responsáveis pela nossa vida.

E é neste momento tão vazio de sentidos que uma grande amiga me indicou o Joaquim Caeiro como alguém com um dom, com uma forma especial de ver o Outro e de o ajudar. Pois! Quando Deus fecha uma porta, abre logo uma janela. Dizem… E dizem bem. A mim não me abriu uma janela…. Escancarou-me, suavemente, uma varanda de Luz e um caminho de reencontro. E eu fui. Fui com a certa certeza que, sozinha, não conseguiria erguer-me com a força que, em mim, tinha sido devastada. Devastação provocada não por mais esta ruptura, mas por todo um percurso que estava, na sua essência, completamente errado.

O Joaquim ouviu a minha tristeza revoltada e compreendeu. Fez-me saber que tudo isto faz parte de um percurso que é meu e que, como tal, tenho que aceitar e viver plenamente. Ensinou-me que viver é aprender sem parar. Aprender, acima de tudo, a elevarmo-nos acima de nós próprios. Aprender a chegar até a essa Luz especial que nos indica o caminho certo. Aprender a agradecer tudo, até o que de menos bom nos acontece.

Aprender a olhar à nossa volta e a ver. A ver mesmo. Com olhos de bondade, de carinho, de ternura. Aprender a não magoar, a respeitar, a aceitar o outro tal como ele é. E tudo isto o Joaquim fez sem críticas negativas, sem olhares reprovadores. Fê-lo, acima de tudo, com uma paciente humanidade e humildade.

Aprendi a respirar, uma coisa tão simples e que todos fazemos tão mal. Respirar de acordo com o meu corpo, deixando-me invadir pela consciência desse mesmo corpo e construindo serenidade. Aprendi a meditar, todos os dias, pois se, quando o corpo está doente, o medicamos regularmente, porque não ajudamos da mesma forma a nossa alma doente a curar os seus males? Aprendi a dirigir as minhas forças no sentido do real, do possível, e a construir os sonhos, do mais pequenino ao maior, com ousadia e na medida certa. Um de cada vez.

E tudo isto fez de mim uma pessoa diferente. E em apenas dois anos, o que foi fantástico. Sou alguém que compreendeu que a força que vive em todos nós deve ser alimentada e ensinada a percorrer o caminho certo.

Neste momento, e após este excelente trabalho com o Joaquim, há uma lista enorme que posso fazer em meu favor:
- a ansiedade baixou muitíssimo
- deixei de ter os medos que tinha
- perdoei tudo o que aconteceu
- perdoei a mim própria tudo o que me fiz
- consegui reencontrar a relação perdida com o meu pai e com a minha mãe
- encontrei serenidade na minha vida
- reconstruí os meus espaços afectivos sem medo
- estou atenta ao momento, e controlo-o

Obrigada a mim, que fui uma excelente aprendiz.
Obrigada ao Joaquim, que foi um mestre brilhante e que me ensinou a conhecer o mestre que havia (há) em mim e em todos nós.

M. S. – Lisboa

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